Caminhos caipiras - José Hamilton Brito

Quadro "Os três boiadeiros", da artista araçatubense Duxtei Vinhas Ítavo
Não é o cantor Sérgio Reis o dono da letra e tampouco fez a música, mas ele canta a bela canção "Mágoa de boiadeiro". Clique aqui para ouvir a música.

Ela assim diz:
Antigamente nem em sonho existia
Tantas pontes sobre os rios
Nem asfalto nas estradas
A gente usava quatro ou cinco sinuelos
Pra trazer o pantaneiro no rodeio da boiada
Mas hoje em dia tudo é muito diferente
Com o progresso nossa gente nem sequer faz uma idéia
Que entre outros fui peão de boiadeiro
Por este chão brasileiro os heróis da epopéia

Tenho saudade de rever nas currutelas
As mocinhas nas janelas acenando uma flor
Por tudo isso eu lamento e confesso
Que a marcha do progresso é a minha grande dor
Cada jamanta que eu vejo carregada transportando
Uma boiada me aperta o coração
E quando olho minha traia pendurada de tristeza
Dou risada pra não chorar de paixão

O meu cavalo relinchando pasto a fora
Que por certo também chora na mais triste solidão
Meu par de esporas meu chapéu de aba larga
Uma bruaca de carga um berrante um facão
O velho basto o sinete e o apero, o meu laço e o cargueiro
O meu lenço e o gibão,
Ainda resta a guaiaca sem dinheiro
Deste pobre boiadeiro que perdeu a profissão

Não sou poeta, sou apenas um caipira
E o tema que me inspira é a fibra de peão
Quase chorando embuído nesta mágoa
Rabisquei estas palavras e saiu esta canção
Canção que fala da saudade das pousadas
Que já fiz com a peonada junto ao fogo de um galpão
Saudade louca de ouvir o som manhoso de um berrante
Preguiçoso nos confins do meu sertão

Tudo então começou lá na roça, no fogão à lenha, na tulha, nos terreiros de café e outros que existiam.

Nem penso na história do Brasil, atenho-me à de Araçatuba.

Aqui na Velha Senhora, como a chamava o saudoso Napo, também conhecido como Dr.Jorge Napoleão Xavier, que foi fazer companhia ao mano Jorginho e à cunhada Miltila , minha “prima” , pois que o seu
tio José Zonetti era também meu, uma vez casado com Elza Brito, irmã do meu pai, uma grande parcela da população tem o pé na cozinha...Melhor, na roça.

As primeiras imagens da letra me são familiares; realmente não havia asfalto e sim um trilho ligando a cidade à fazenda da minha avó ali no Córrego Azul, em Engenheiro Taveira. Era conhecida como
Variante quando na verdade, a Variante era a outra, a que temos hoje.

O sinuelo identificava o boi chefe, o animal a ser seguido...Sim, hoje em dia tudo é muito diferente.

Eu não fui peão de boiadeiro mas, digo com muito orgulho que o meu pai o foi, meus tios Newton e Benedito também. Heróis da epopéia.

Para uma coisa só eu peço explicação, a letra fala: antigamente nem em sonho existia...

Então, se não foi sonho, o que moveu a família Vieira de Brito, Zonetti, Consolaro, Dall’Oca, Geraldi, Viol, Nocera, Mil Homem, Mazarim e tantas outras que vieram construir este belo legado que
nos deixaram?

A economia brasileira, seu PIB, cresceu muito com a indústria mas, o meio rural ainda é forte, uma força produtora de riquezas.

A marcha do progresso não é a minha grande dor.

Progredir é preciso, assim como navegar...Poxa, está batida esta frase.

Lembro-me da minha avó falando sobre as doiduras do meu pai, que saía em comitiva e sumia Mato Grosso a dentro. O embornal cheio de roupas novas, quase sempre voltava vazio. Os relatos destes tempos são magníficos e muitos atravessaram o país, contando uma história maravilhosa de sofrimento e coragem.

Não só os bandeirantes abriram fronteiras,
formaram núcleos que se transformaram em cidades. Os boiadeiros, sós ou em comitivas se transformaram nos bandeirantes modernos.

Hoje os grandes caminhões , com as suas gaiolas vistosas, levam e trazem o gado para as pastagens e matadouros 
e o fazem com rapidez e presteza, percorrendo os asfaltos lisos que hoje cobrem as estradas por onde trafegavam as carroças e carroções daqueles heróis. Carroções...conheci
alguns e ainda ouço o ranger de suas rodas no meu canto de saudade.

Muita coisa daquele tempo ainda sobrevive na minha memória.

Compositor José Fortuna disse em uma bela canção:

"Velha avenida onde deixei / rastro de infância que virou saudade"

Eu vi muito boi ser “embarcado” ali mesmo onde hoje fica a Havan; depois meu pai ia até São Paulo para a entrega ao frigorífico .”Não sou poeta. Sou apenas um caipira”

Lastimo que assim seja pois gostaria de cantar em lindos versos, contar em uma bela crônica, um pedacinho de todos nós...um pedacinho de mim mesmo.

Eram caminhos caipiras por onde andou o
caipira que ainda eu sou.

*José Hamilton Costa Brito, advogado, escritor, membro do Grupo Experimental, Academia Araçatubense de Letras.

2 comentários: