Declaração de amor por Araçatuba - Emília Goulart

 
Hotel Gaspar (a parte de cima), que também tinha bar e restaurante 
Araçatuba querida,  não consigo precisar a data quando  a mim foste apresentada, eu era muito pequena, talvez venha daí a sensação de te conhecer de sempre. Deveria ter uns quatro anos, esta é minha primeira lembrança o que aumenta a minha convicção de que já nos conhecíamos.

Minha avó materna foi submetida a uma cirurgia permanecendo internada na Santa Casa por vários dias. Deve ter sido muito difícil para minha mãe conciliar os papéis de mãe e filha.  Lembro-me, ou ouvi o fato por ela contado tantas vezes que tenho a sensação de lembrança.  Não sei como, mas ela conseguiu autorização para que eu permanecesse com ela durante o dia , contanto que eu não saísse do quarto.  Estávamos hospedadas no Hotel Rio Preto que ficava na Rua Osvaldo Cruz. Não se admirem da minha memória nem pensem que estou de caso com o Alzaimer é que durante muitos anos desembrulhei esta passagem para entender algumas coisas. Como as facilidades que a burocracia veio nos tirar sem nos dar nada em troca. Como uma creche nos hospitais para atender casos como os vividos por minha mãe. Depois daqueles dias, nossa vida em Araçatuba tornou-se quase uma rotina. Se eu estava com dor de garganta vínhamos para cá se era para comprar roupas ou calçados também.

 Meu pai fez uma sociedade com um primo e compraram o Frigorifico Araçatubense  como consequência éramos hospedes constante do Hotel Gaspar.  Enamorei-me de ti Araçatuba tu és e será sempre minha cidade  preferida . Amo a cidade onde nasci, mas meu coração era tão pequeninho  quando  bateu forte por ti, que  para sempre eu estaria em ti e tu  em mim. Abriguei-me no teu seio como filha, mas não mamei em tuas fartas tetas, também não esgotei a seiva que jorrava limpa do Ribeirão Baguaçu, nem poluí as margens do córrego Machado de Melo, apenas me refresquei em suas margens, como apaixonado que sou pela natureza.  A natureza, minha senhora, te ornou de beleza rara, mal desfrutada bem sabemos, porque abandonados estão seus cantinhos e seus canteiros.

                     Na Praça Rui Barbosa, curti muitas tardes domingueiras ao som da bossa nova, onde a turminha soltava a voz acompanhada pelo violão da minha amiga Maria Teresa.

                    Frequentei teus três cinemas centrais, tive o prazer de bailar e brindar no Araçatuba Clube, teus anos dourados.

                    Passeei por suas ruas atapetadas por um asfalto uniforme e condizente com teus políticos, que a amavam tanto quanto teu povo. 

Apaixonei-me, também, por teus políticos, com seus discursos eloqüentes, muitas vezes desprovidos de um português mais culto, porém, nunca de caráter,  controvérsias haviam,  fazem parte de uma boa administração.

Um fato é certo minha querida, você ganhava destaque no interior, e até uma projeção mundial graças ao Frigorifico T. Maia, e foi quando nosso futebol também ganhou destaque. Cidade linda, não foi atoa que me apaixonei.

                   Mas tudo passa senhora, teus amantes morreram, estais agora entregue ao abandono. Onde está seus algozes, que não viram seu sorriso morrer nas cáries do asfalto? Tuas praças estão com sarna, perdeu o viço do pelo sadio, seus zeladores desapareceram.

                   Já não ouço o apito dos guardas que afugentavam os vândalos. Teus logradouros são criadouros de mosquito.

                  Oh minha amada, tenho votado tão errado! Como tenho te desmerecido! Sofro ao ouvir teu grito de socorro. Estou desesperada, não sei o que fazer, entendo até esse teu desejo de desaparecer do mapa, mas não há mal que sempre dure, e tudo passará.

*Emília Goulart dos Santos, escritora, membro da Academia Araçatubense de Letras
                                                                           
                                                          

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