Domingo na feira - Marilurdes Campezi

Como era a rua 15 de Novembro, que era chamada de 13 de Maio 
                                
Se há um lugar onde me sinto em casa, é numa feira-livre. Nela eu me encontro com a liberdade de ir e vir e com pessoas queridas. Porém, o que mais me alegra é o encontro comigo mesma. Sim, a feira me traz de volta a mim.

Comecei a caminhada sob os flamboyants que separavam as duas pistas da Rua Quinze de novembro, ainda sem asfalto. Eu e meu pai saíamos de madrugada, lá da Vila Mendonça, onde morávamos, e chegávamos àquele paraíso para comprarmos os legumes, as frutas e verduras para o consumo da semana. É óbvio que não havia as feiras de supermercados... Eram belas manhãs de domingo sob o verde das frondosas árvores em cujas sombras os vendedores expunham os produtos cultivados na região.

Íamos de bicicleta: meu pai pedalava e eu me aboletava no porta-bagagens, segurando a cesta de bambus. A volta era a pé, quando meu pai empurrava a bicicleta, pois a cesta cheia tomava meu lugar. Hoje reflito que ele fazia isso por mim, pois se ele fosse sozinho, poderia voltar pedalando sua condução.

Outras vezes íamos andando pela Rua Almirante Barroso até chegar ao Hotel Gaspar, de onde podíamos vislumbrar o movimento dos feirantes. Na volta, pegávamos carona em uma charrete, eu de pé na boleia; meu pai, o charreteiro e a cesta cheia ocupavam o banco.

Não me lembro de quando aquela feira foi transferida para um barracão na Rua Anita Garibaldi, bem ali onde hoje está a Secretaria Municipal de Cultura com o Teatro Castro Alves. E eu continuava a acompanhar meu pai, nas escuras madrugadas dos domingos. Encantava-me a banca das flores, na maioria palmas de Santa Rita. Mas aos meus gulosos olhos infantis, a presença do carrinho de pipocas do “seu” Malaquias, único vendedor de “machadinha” (ou quebra-queixo) do local, era o que atraía minha atenção especial. 

Ali parávamos, meu pai batia um papo com o velho amigo enquanto ele separava, com uma machadinha de corte, um pedaço do esperado doce. Envolvia-o com o antigo papel de embrulhar pão e eu saboreava a guloseima, esquecendo tudo que vira até então. Voltava para casa com gosto de felicidade na boca. 

Ah, “seu” Malaquias, quantas vezes fui feliz com um pedaço daquela “machadinha”... Onde quer que você esteja, deve estar distribuindo simpatia e sabores terrestres para seus companheiros, fazendo-os felizes, como fazia a mim.

Hoje as feiras tornaram-se mais livres. A cidade cresceu e não comporta apenas uma feira central; foi preciso desmembrá-la por vários espaços de Araçatuba, em dias variados. Porém, como foi dito, os supermercados, com suas gôndolas repletas de frutas, legumes e verduras, assim como de flores e acessórios de jardim, entraram numa competição desvantajosa para os feirantes, pois, muitas vezes, seu preço é mais atrativo.

No entanto, continuo a ser defensora das feiras-livres. Ali alguém conserta suas panelas ou vende produtos de própria fabricação artesanal; ali também podemos nos sentar a partir da madrugada para saborearmos o mais gostoso pastel de que se tem notícia. E quem não gosta do pastel da feira?

Pois é, a vida é feita de espaços felizes entre as urgências de se lutar pela sobrevivência e de conviver com as diferenças. E a feira é um desses espaços.

*Marilurdes Martins Campezi é professora e escritora, fundadora e membro da Academia Araçatubense de Letras


                                                                                  

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