Se há
um lugar onde me sinto em casa, é numa feira-livre. Nela eu me encontro com a
liberdade de ir e vir e com pessoas queridas. Porém, o que mais me alegra é o
encontro comigo mesma. Sim, a feira me traz de volta a mim.
Comecei
a caminhada sob os flamboyants que separavam as duas pistas da Rua Quinze de
novembro, ainda sem asfalto. Eu e meu pai saíamos de madrugada, lá da Vila
Mendonça, onde morávamos, e chegávamos àquele paraíso para comprarmos os
legumes, as frutas e verduras para o consumo da semana. É óbvio que não havia
as feiras de supermercados... Eram belas manhãs de domingo sob o verde das
frondosas árvores em cujas sombras os vendedores expunham os produtos
cultivados na região.
Íamos
de bicicleta: meu pai pedalava e eu me aboletava no porta-bagagens, segurando a
cesta de bambus. A volta era a pé, quando meu pai empurrava a bicicleta, pois a
cesta cheia tomava meu lugar. Hoje reflito que ele fazia isso por mim, pois se ele
fosse sozinho, poderia voltar pedalando sua condução.
Outras
vezes íamos andando pela Rua Almirante Barroso até chegar ao Hotel Gaspar, de
onde podíamos vislumbrar o movimento dos feirantes. Na volta, pegávamos carona
em uma charrete, eu de pé na boleia; meu pai, o charreteiro e a cesta cheia
ocupavam o banco.
Não me
lembro de quando aquela feira foi transferida para um barracão na Rua Anita
Garibaldi, bem ali onde hoje está a Secretaria Municipal de Cultura com o
Teatro Castro Alves. E eu continuava a acompanhar meu pai, nas escuras
madrugadas dos domingos. Encantava-me a banca das flores, na maioria palmas de
Santa Rita. Mas aos meus gulosos olhos infantis, a presença do carrinho de
pipocas do “seu” Malaquias, único vendedor de “machadinha” (ou quebra-queixo)
do local, era o que atraía minha atenção especial.
Ali parávamos, meu pai batia
um papo com o velho amigo enquanto ele separava, com uma machadinha de corte,
um pedaço do esperado doce. Envolvia-o com o antigo papel de embrulhar pão e eu
saboreava a guloseima, esquecendo tudo que vira até então. Voltava para casa com
gosto de felicidade na boca.
Ah, “seu” Malaquias, quantas vezes fui feliz com
um pedaço daquela “machadinha”... Onde quer que você esteja, deve estar
distribuindo simpatia e sabores terrestres para seus companheiros, fazendo-os
felizes, como fazia a mim.
Hoje as
feiras tornaram-se mais livres. A cidade cresceu e não comporta apenas uma
feira central; foi preciso desmembrá-la por vários espaços de Araçatuba, em
dias variados. Porém, como foi dito, os supermercados, com suas gôndolas
repletas de frutas, legumes e verduras, assim como de flores e acessórios de
jardim, entraram numa competição desvantajosa para os feirantes, pois, muitas
vezes, seu preço é mais atrativo.
No entanto, continuo a ser defensora das
feiras-livres. Ali alguém conserta suas panelas ou vende produtos de própria
fabricação artesanal; ali também podemos nos sentar a partir da madrugada para
saborearmos o mais gostoso pastel de que se tem notícia. E quem não gosta do
pastel da feira?
Pois é,
a vida é feita de espaços felizes entre as urgências de se lutar pela
sobrevivência e de conviver com as diferenças. E a feira é um desses espaços.
*Marilurdes Martins Campezi é professora e escritora, fundadora e membro da Academia Araçatubense de Letras
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