Os cachos vermelhos ou alaranjados chamejantes que brotam entre o verde
para dominá-lo quase completamente fazem desta planta um grande guarda-sol
florido, protetor e tranquilo.
Meu primeiro contato com os flamboyants foi no meu tempo de menina, nos
anos quarenta (do século passado, é claro!). Eu ia à feira livre na “garupa” da
bicicleta de meu pai, saindo da rua Aquidabam, onde estava nossa casa, mais ou
menos às cinco horas, ainda escuro.
A rua XV de Novembro abrigava as bancas dos feirantes bem ali no “cotovelo”,
onde tivemos nossa antiga rodoviária. Eram duas pistas de terra batida
divididas por canteiros de onde se erguiam velhos e frondosos flamboyants,
alegria dos meus olhos e felicidade do meu coração na época do florescer: meu e
das árvores.
Enquanto eu os olhava e o dia começava a clarear, meu pai preocupava-se
em suprir a velha cesta de bambus com as compras de legumes, frutas e verduras,
que iam se encaixando milagrosamente. Minha atenção, porém, voltava-se toda
para as árvores empencadas de vermelho, os cachos pendentes para a rua, como a
pedirem para serem notados. E enquanto o sol se despia de sua timidez e aquecia
nossas cabeças que nem sonhavam com os problemas da camada de ozônio em
Araçatuba, aquela cor “rouge” sorria para mim.
A bela feira de flamboyants perdeu seu espaço com suas árvores flambadas
e foi parar na rua Anita Garibaldi para a reforma da XV de Novembro onde urgia
um asfalto preto, de coração duro, que não sofresse com a derrubada daquelas
plantas tão prejudiciais aos projetos urbanísticos da época.
Nos anos 50, porém, os flamboyants voltaram à minha vida nas aulas da
linda dona Magali Correa que me fez enxergá-los nas lições de “Mon deuxième
Livre de Français”. Uma delas trazia, com ilustração em preto e branco, a
descrição de um muro de pedras escuras e cheias de musgos, no Sul da França,
sobre o qual um frondoso flamboyant despejava seus galhos de cachos floridos.
Esse texto reportou-me a muitas de nossas praças que ainda exibiam as
flores vermelhas e alaranjadas uma vez no ano. Eram abrigos dos casais de
namorados e de muitas aves que não poluíam o ambiente porque a cadeia das
espécies ainda era natural, e a atuação dos bandos, na cidade, era amena.
Assim, os flamboyants me acompanharam em Araçatuba.
Prédio recém-construído da antiga Santa Casa de Aaçatuba |
Daquela praça da Santa Casa as flores cacheadas sorriam para todas as
janelas, conduziam luzes aos que se sentiam no escuro.
Lembrei-me dessas belas árvores ao passar pela maltratada Avenida 2
de Dezembro, onde um
flamboyant solitário, remanescente de tantos outros, pende seus galhos até o solo do canteiro central em
frente à lagoa “ do Miguelão”, derramando suas flores encarnadas sobre um
matagal incontrolado, entre duas faixas de asfalto corroído e intransitável.
Mesmo assim, cumpre a sua missão de luz. E toda vez que por ali passo, faço-lhe
reverência por manter-se tão belo e digno, forte e altivo, viçoso e florido.
Minha esperança é de que algum dia um paisagista empreendedor e ligado
com as políticas de urbanização resgate o plantio dos flamboyants em nossa
paisagem que espera por mentes sensíveis e mãos milagrosas.
*Marilurdes Martins Campezi, professora e escritora, fundadora e membro daAcademia Araçatubense de Letras
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