Carnaval entre amigos e inimigos

Escola de Samba Unidos da Zona Leste - 2006
Arnon Gomes
(Folha da Região, 3/2/2010

            O carnaval, uma festa com raízes lá na antiguidade, sempre teve seus amigos e inimigos. Acredito que essa divisão aumentou a partir do momento em que a festa foi se popularizando, deixando os salões e ganhando ruas, avenidas e praças. Foi daí também que surgiu, seguramente, um dos maiores inimigos da folia: a chuva.

            Em todas as épocas, o reinado de momo sempre coincidiu com meses de verão ardente, fevereiro ou março, o que, inevitavelmente, regou a apresentação de blocos, corsos, ranchos, cordões e escolas de samba com leves ou expressivas quedas d’águas.

            Não são poucas as histórias da folia em que a água foi um verdadeiro “desmancha prazer” para os foliões, seja por sujar e pesar suas fantasias, dificultar a passagem de carros alegóricos... Entretanto, em Araçatuba, pelo menos no tempo em que tenho acompanhado a festa, a chuva me fez lembrar de situações curiosas. Vou ficar pelas histórias mais recentes.

            Em 2008, no “carnaval do centenário”, choveu, e muito, em plena noite do sábado de carnaval, quando passava pela avenida dos Araçás a apresentação de blocos – que, num passado não tão longínquo assim, eram as maiores expressões do carnaval araçatubense.

            E, para quem acredita que com o crescimento e a popularidade das escolas de samba, essa forma de brincar o carnaval em grupo foi ganhando cada vez menos adeptos, surpreendeu-se ao ver o povo feliz, cantando e aplaudindo foliões dos blocos pra lá de animados, mesmo debaixo d’água.

            E se hoje originalidade tem levado vantagem sobre o luxo na hora de se escolher a melhor escola de samba, o que dizer, então, do segundo desfile da escola de samba Os Caprichosos, no carnaval de 2007? Ao apresentar a água como tema, a agremiação desfilou sob leve chuva. Um trecho do samba composto por Malcom Alves dizia: “Líquido abençoado, indispensável no nosso mundo/ Chove pra encharcar meu coração”. Foi bonito!
            De qualquer forma, a chuva de carnaval é de verão. Como conta Eneida, em seu célebre livro História do Carnaval Carioca, “não vai durar (a chuva), pensam eles (os foliões), e pacientemente esperam pela estiagem. Cessada a chuva, voltam à rua, recomeça a folia, mesmo que estejam alagados os meios-fios, mesmo que haja poça d’água por todo o chão”.

            Mas a história conta que a inimiga ferrenha do carnaval foi a polícia. Tanto é que, nos primórdios das escolas de samba, um dos maiores desafios dos sambistas era fugir da perseguição policial. Os ensaios sempre ocorriam nos quintais das moradias dos sambistas. O nome de muitas agremiações, inclusive, precisou de autorização policial. Assim ocorreu, por exemplo, com a tradicional escola de samba carioca Portela. O nome original era Vai Como Pode, mas, por decisão, do delegado de polícia, em 1935, virou Portela, nome da estrada onde ficava a sede da escola.

            Em Araçatuba, um exemplo dessa situação está na história de um dos blocos carnavalescos mais famosos da cidade, hoje inexistente, Os Miseráveis. Seu fundador, o radialista Aurélio Rosalino, conta que o nome foi dado por sugestão do delegado de polícia em fins dos anos 1950. Numa época em que as agremiações precisavam de autorização policial para desfilar, Os Miseráveis deixaram sua marca na história da folia araçatubense pela temática ousada e por suas sátiras.

            Não se pode tirar do rol dos inimigos também os saudosistas, aqueles que dizem que o carnaval foi bom no passado e hoje profetizam sua extinção.

            Duas grandes amigas da festa foram, sem dúvida, a imprensa e o comércio. Isso, ontem e hoje. Os jornais sempre deram grande destaque para a folia, entrevistando seus personagens e dando amplo espaço para o carnaval. Imprensa e comércio sempre promoveram concursos e entregavam prêmios. Há de se lembrar aqui que o primeiro desfile de escola de samba no Brasil, ocorrido em 1932, na praça Onze, no Rio de Janeiro, foi patrocinado pelo jornal Mundo Esportivo, do jornalista Mário Filho, que hoje dá nome ao estádio do Maracanã. E lá se vai uma festa a completar 80 anos de história daqui a dois anos! Cronistas de várias épocas – Machado de Assis, Olavo Bilac e João do Rio, só para citar alguns – não escondiam sua simpatia e paixão pelo carnaval em suas palavras.

            Hoje, eu acredito que o carnaval tenha mais amigos do que inimigos. Já faz um bom tempo que a folia transcendeu os limites de festa popular, para ganhar os holofotes da indústria do turismo, da mídia e da lucratividade. São fatores que, evidentemente, passaram a fazer o poder público e o empresariado a investirem pesado na folia. O melhor de tudo isso é que o carnaval, mesmo com amigos e inimigos, ainda simboliza, a meu ver, um belo exemplo de união e miscigenação no Brasil. Uma festa que une brancos, negros, índios, estrangeiros, pobres, ricos, religiosos e tantos outros.

*Arnon Gomes é jornalista, editor-chefe do jornal Folha da Região, membro da Academia Araçatubense de Letras e autor do livro “Com véu de alegoria – cem anos de carnaval de Araçatuba” (Ed. Somos, 2008).

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