Pequenas grandes coisas da vida...- Lorico Lautenschläger

Fachada da Padaria Bandeirantes

Eram vésperas do último Carnaval do século e do milênio, era a terra de Araken, de Iracema e de Moacir. Linda, muito linda, a terra de José de Alencar. Mas aquele casal... Estariam em lua de... fel? Ele e ela não sorriam, não cumprimentavam ninguém, ela com cara de quem está de sapatos dois números dos seus, ele, de cuecas. Um dia assobiei baixinho uma musiquinha da hora no elevador. Olharam-se feio. Escrevi essa coisinha e preguei no elevador.

Você sabe de onde eu venho?
Por mais terras que eu percorra,
não permita Deus que eu morra
sem que volte para lá...

Você, que não responde ao meu alegre bom- dia, que fica com essa cara macambúzia, pra não dizer de bundão, assim olhando pro chão, você sabe de onde eu venho?

De doce rincão que tenho, às margens do meu Tietê, o meu caminho que anda, sem pressa mas sem parar, anda, sem correr, pro coração das piratiningas terras, sagrado chão dos paulistas todos, paulistas nascidos ou não, dando-lhes seu ‘té-loguinho indo indolente e vagabundo para o mar que o espera ansioso.

Você sabe de onde eu venho?
Venho da terra que eu tenho, onde, amigo, quando as gentes se encontram, se é manhã linda e radiosa - sempre é - se dizem bom-dia; bo-tarde se morna tardinha - é sempre; boa-noite!, se é noite cálida e todo estrelas o céu - sempre o são! C’aquele sotaque caipira só nosso, nosso erre gostoso, preguiçoso, dengoso, em alto e bom som. E bom tom.
Mesmo se desconhecidos - já não são! Mesmo se não amigos - já o são!

Ou então simplesmente, francamente, muito, muito calorosamente, oi, cara, cê tá bão?
Sempre com sorriso largo, vindo do fundo do peito, do dentro do coração.

Você sabe de onde eu venho?
Venho da terra que eu tenho, às margens do Baguaçu, que pra acarinhar a flor que se curva pra beijá-lo, pra refletir capivaras e garças livres nos seus remansos; onde o seu amigo é mouro e japonês, é alemão e italiano, é negro e português, espanhol e libanês; é paulista e dos verdes mares bravios da nossa terra, e dos pampas, e barriga-verde, e carioca; é “minero bão” lá de Passos ou mais qui bão lá do Prata, é das minas gerais todas, quem sabe até de Curvelo, que, com nome tão bonito, ‘tô louco pra conhecer; é fluminense especial – gandavo de Niterói, vem lá da Valença da moça do violão, de São Lourenço das águas; é de Jataí e outras goianas terras, gaúcho de Ijuí, é potiguar, capixaba, pantaneiro, guarani... É tão somente, decididamente, brasileiro!
Que venho de um pedacinho imenso da Aquarela do Brasil!

Vam’, faz a hora, vam’ s’imbora pra lá. Pasárgada não é, é muito mais; lá todos serão seus amigos, que todos lá somos reis, e rei ‘cê será também...

Queimar de tardinha uma carninha na esquina alegre da larga Rua do Fico, que só a gente temos, ver passar gente feliz, barulhando o mundo inteiro num bom joguinho de truco. Mas aí, muito cuidado, truco com a gente é arriscado, inventou o diabo o baralho, a gente inventou o truco, da gente até Ludciférrr caga de medo, do jogo do conde e da sota “a gente somos reis”... E toma seis!

Se não já, ói, num demora, ói, se eu fosse ocê ia imbora, ia s’imbora pra lá...
 
Interior da Padaria Bandeirantes
Sentar de noitinha no Bola, sete mas branca pra todos, ver o sol indo s’imbora, s’imbora pro Pantanal, e deixar noite, cheia de estrelas e de luar, calorosa e muito amiga, como amigos calorosos somos nós.

Mais tarde ir à Bandeirantes, que toda a gente vai lá, encontrar amizades velhas, fazer amizades novas, tomar um chopinho ao ponto, umbigo colado ao balcão, falar de futebol, de política, de religião, e só parar de jogar conversa fora pra ver entrar e sair gente moça, gente bonita, gente não tão moça mas simpática, sempre de bem com a vida, você não imagina que gente bonita, simpática, alegre e de bem com a vida vai lá!

Ou ao Newton’s, lá na Marcílio, pizza joia, cerveja ao ponto, a voz macia do Mazzini, o som do seu violão, repertório que parece escolhido por você. Ou à Bella Napoli , lá na Waldemar, ouvir o Doutor Renato, que tem na garganta o coração, o Carlinhos e seu cavaquinho, trinando colado ao seu peito, tão enamorados, que se chega a não saber se é o Carlinhos o cavaquinho, se é o cavaquinho o Carlinhos; e o Geraldinho, que traz na alma o circo, ou traz o circo na alma, não se sabe como cabe no pequenino Geraldo tanta alma, tanto coração; e o Porfírio, que não sorri, que seu violão sorri por ele...

Muito bom dia, amigo, você sabe donde eu venho?

Não o lê no meu sorriso? Da terra das araçás, da minha Araçatuba, onde o boi é só um detalhe, um pequenino detalhe!
E você, tão aperreado, donde vem?

Fortaleza, fevereiro de 2000


* Lourival Amilton Lautenschläger, médico, escritor, membro da Academia Araçatubense de Letras

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