Ruas de Araçatuba - Marilurdes Martins Campezi

Atual avenida Pompeu de Tolero, Araçatuba  
Se essa rua, se essa rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes...                                                   

Houve uma época em que as crianças entoavam cantigas de roda. Por isso, lembrei-me desta letra sobre uma rua encantada. Ao mesmo tempo em que desperta lembranças das brincadeiras de infância, ela nos faz sentir a importância que as ruas tiveram e têm em nossas vidas. Sim, porque são caminhos, vias de acesso a tudo de que necessitamos.

Cada rua que piso e pisei tem sua história e nela a história de meus passos, junto aos passos de muitas pessoas que por ali caminham ou caminharam.

Rua Aquidabam, 412: hoje um prédio de apartamentos; ontem uma casa humilde, de madeira, nos fundos de um terreno tão grande que abrigava um imenso depósito de montanhas de areia grossa, onde meus pés afundavam sob o sol escaldante. Ali era, ao mesmo tempo meu pátio, meu circo e meu deserto. Mesmo assim eu não dispensava afundar também os pés na enxurrada daquela via sem asfalto.

Rua Tiradentes, 625: hoje uma clínica médica; ontem a rua do cine paroquial, de casas onde habitavam amigos inesquecíveis como inesquecíveis foram os momentos que nelas vivi. A esquina com a Aquidabam era testemunha de reuniões de meninas e  meninos adolescentes, a pensarem apenas no presente, sem a preocupação da violência, do engano, da hipocrisia.
Clube dos Bancários de Araçatuba
Rua Floriano Peixoto, muitos números, muitas casas. Meu primeiro contato com o alfabeto, Nair Falco a dar-nos lições na garagem de sua histórica e linda residência, hoje demolida. Nela cresceu o pé de tamarindo da casa do Dr. Coelho, que tinha, no pilar do portão, o botão de uma estridente campainha que apertávamos todas as vezes em que voltávamos das matinês do Cine Bandeirantes ou São Francisco, para depois corrermos para casa, na Aquidabam, com medo de sermos flagrados. Essa rua vigiou minhas idas até o coreto da Praça Rui Barbosa, ao redor do qual, ao som da “furiosa”, nós, meninas, dançávamos de braços dados. De volta ao nosso lar, ficávamos a ansiar pela próxima ida pela Rua Floriano (que, dizem, até abrigava uma senhora com fama de muito faladeira da vida alheia).

Rua Marechal Deodoro: centro do paraíso de consumo da cidade: Casa Verde, Bazar Aliança, Foto Studio, Casa Esperança e muitas outras lojas além (isso é lógico) daquela loja de Pernambuco.
Rua Marechal Deodoro de Araçatuba, 1937, onde hoje temos o Calçadão  
Rua Almirante Barroso: amigos da idade escolar. Antes, minha festa dos domingos com os programas de calouros no salão da sede do Esporte Clube Corinthians. E como eu cantava... Os prêmios eram inusitados: garrafas de bebidas alcoólicas, chinelos de couro para adultos. Foi lá que aprendi o hino do “timão”.

Rua Osvaldo Cruz: o “footing”, quando percorremos muitos quilômetros, após a sessão das seis do Cine São Francisco, enquanto os rapazes, em fileiras indianas, esperavam para nos verem passar. Ali ficava o Bar Pinguim, a rádio Cultura, o Cine Bandeirantes e, mais tarde, o Clube dos Bancários. Hoje aquela rua parece não guardar características marcantes, como quando foi palco do primeiro edifício alto da cidade: o Edifício Araçatuba.

Citei apenas algumas ruas, pois se fosse contar tudo sobre elas e sobre muitas outras, daria um romance e não uma crônica. Elas são lembranças permanentes porque até hoje se perpetuam nas nossas idas e vindas.

Raramente ando a pé, para percorrê-las porque o tempo ampliou os espaços. Porém, elas continuam vivas, veias pulsantes conduzindo vidas para muitos lugares.

Mudanças aconteceram e elas multiplicaram seus propósitos ao continuarem como chão onde muitos pisaram e pisam até hoje. São salvo-condutos de alegrias, procuras, realizações, angústias, surpresas etc.

Não mais “biribas” ou “chevrolets” pretos; não mais charretes ou bicicletas de breque no pedal transitam por elas. Apenas possantes carros equipados passam, quase silenciosos, em respeito à tradição de ruas tão antigas, construtoras da “cidade do asfalto”, “princesa e rainha da noroeste”, “terra do boi gordo”.

E lembrando o quanto andei por essas e outras ruas da cidade, lembrei-me também de uma tocante frase, cujo autor desconheço:”Quando pisares, caminha com cuidado, pois é sobre os meus sonhos que pisas”.  


*Marilurdes Marins Campezi é professora e escritora. Membro da Academia Araçatubense de Letras (fundadora)

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